Antes de escurecer. Esse é o horário que define o fechamento do comércio de parte da região central de João Pessoa. Diariamente, após as 18 horas, o fluxo de pessoas que trabalham e passam pelo local é substituído por quem vive na área conhecida como Cracolândia. O cenário é pouco de acolhimento e, muitas vezes, de falta de esperança.
Quando as luzes acendem, a dependência e o tráfico de drogas nas ruas surgem diante das portas fechadas das lojas que ainda resistem na região e em frente aos diversos casarios abandonados.
Naquele lugar, em meio a poucas condições, Antônio Fernandes, 55 anos, prefere falar que mora na comunidade Mulungu. “Aqui tem gente do bem”, declara. Antes de ocupar um dos prédios abandonados da região, ele dormia em frente às lojas da Avenida B. Rohan enrolado em um papelão. Foi assim desde criança por onde passou.
Em todos os sotaques, Antônio ouviu um “vai trabalhar, vagabundo”. Ele tentou. Chegou a trabalhar como carvoeiro, mas fugiu escondido embaixo de um caminhão quando descobriu que estava em condições análogas à escravidão. O destino o trouxe para João Pessoa, onde ele escreve um novo capítulo da própria história.
O tempo agora é outro. As calçadas que um dia foram cama, hoje são caminho para a escola. Antônio está aprendendo a ler, se tornou eleitor e venceu a dependência química. Há dois anos, recebeu o diagnóstico de infecção pelo HIV e, desde então, o tempo “só a Deus pertence”.
Assim como Seu Antônio, dezenas de pessoas que vivem na Cracolândia respiram o julgamento preconceituoso de quem passa por aquelas ruas. São inúmeras vivências de homens e mulheres, de todas as idades, que chegaram à região central da capital paraibana pelas mais diversas situações da vida, especialmente pela falta de oportunidades. Todos os dias, essas histórias se encontram pelas calçadas da comunidade Mulungu, sempre quando as portas estão fechadas.
A realidade dos moradores da Cracolândia de João Pessoa não é invisível e quem se aproxima dela vê além das ausências básicas. Voluntários do projeto Multiplikação conhecem as necessidades de quem vive na região central da cidade e às quintas-feiras distribuem comida, água e afeto. Fazem o bem e são agraciados por ele também.
Ana Karolina, 24 anos, é assistente social e idealizou o projeto com os pais, Klaudia e Balduino. Juntos, eles mobilizam semanalmente um grupo de 15 pessoas dispostas a doar tempo e alimento para cerca de 150 pessoas.
“A gente sentia que as pessoas que viviam naquela região precisavam muito de acolhimento, além da entrega que outros projetos já faziam. Foi quando em 2019 decidimos iniciar o nosso projeto”
Seu Antônio é um dos beneficiados do Multiplikação e conta orgulhoso as coisas que já conseguiu através do projeto. “Eles [voluntários] me ajudaram muito, me doaram as coisas. Graças a eles hoje eu tenho a minha cozinha, com fogão, panela, talheres. Estou até aprendendo a cozinhar”.
Além da dependência química, a região central de João Pessoa enfrenta as consequências do tráfico de drogas. A violência fez, pelo menos, cinco vítimas nos últimos dois meses. Em março, um ataque a tiros deixou dois mortos e três feridos, nas imediações do Pavilhão do Chá. Em abril, três assassinatos foram registrados em menos de 24 horas, no bairro do Varadouro.
Quando escurece, o cenário que se encontra nas ruas de João Pessoa escancara as ausências de quem deveria estar presente. Quem olha para os problemas da Cracolândia e discute soluções e caminhos possíveis para a região?
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança e da Defesa Social da Paraíba não se manifestou até a publicação desta matéria. Já o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que abriu um procedimento e acompanha a situação da Cracolândia de João Pessoa.
O Ministério Público da Paraíba (MPPB) também se pronunciou e disse que não há uma ação estratégia exclusiva para a população da Cracolândia, mas afirmou que discute soluções para pessoas em situação de rua ao MPF e ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
O tempo das autoridades não é o mesmo que passa para as pessoas que vivem na Cracolândia, mas é urgente para todos que soluções para a região sejam discutidas.
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