Parece que, depois de décadas no ar, O Bem-Amado finalmente encontrou sua continuação — não nos estúdios da TV Globo, mas nas ruas, repartições e redes sociais da sempre surpreendente Bayeux. A cidade, que já enfrentou todo tipo de enredo político, agora flerta abertamente com o folclore de Sucupira, a fictícia capital do absurdo criada por Dias Gomes. E, convenhamos, está difícil saber onde termina a ficção e começa a vida real.
A protagonista desse remake involuntário atende pelo nome de Tacyana Leitão (PSB), prefeita que, nos últimos meses, tem demonstrado um talento inegável para a dramaturgia política. Se Odorico Paraguaçu ressuscitasse hoje, teria motivos de sobra para desconfiar que alguém está tentando lhe roubar o papel — e de saia. Porque, em Bayeux, o espetáculo não pode parar.
O capítulo mais recente dessa novela tragicômica foi ao ar ontem, quando a prefeita anunciou, com pompa, circunstância e muita espuma no Rio Paraíba, o pagamento da segunda parcela do 13º salário dos servidores. Isso mesmo: o mais elementar dever administrativo, cumprido por qualquer gestor minimamente responsável, foi alçado ao status de “feito histórico”. Sucupira teria orgulho.
No vídeo divulgado no Instagram, a prefeita surge se jogando nas águas do rio como se tivesse inaugurado a ponte Rio–Niterói, descoberto a cura do resfriado ou, quem sabe, finalmente encontrado a localização da mítica “obra de uma vida inteira” que todo político adora citar. Mas não: tratava-se apenas do pagamento do décimo terceiro dos servidores. Repito: o décimo terceiro. Aquele que já nasce previsto por lei, orçamento e calendário. Um verdadeiro êxito administrativo, digno de comemoração aquática.
É impossível não lembrar do icônico Odorico Paraguaçu e de seu empenho em inaugurar um cemitério a qualquer custo. A diferença é que, em Bayeux, a metáfora virou método. O governo parece viver eternamente à procura de um motivo para celebrar, mesmo que ele seja tão trivial quanto respirar. A política vira espetáculo, o espetáculo vira rotina, e a rotina vira meme.
E enquanto a prefeita mergulha no Paraíba, a população de Bayeux segue mergulhada em problemas muito menos cinematográficos: infraestrutura que precisa de cuidados, saúde que ninguém tem, educação jogada às traças e demais serviços públicos que exigem atenção e uma realidade que não cabe em filtros de Instagram.
Se a intenção era fazer Bayeux virar assunto, parabéns: conseguiu. Mas talvez fosse hora de trocar o roteiro. Porque, por mais divertida que Sucupira fosse na televisão, ninguém em sã consciência quer viver dentro dela.
E muito menos ser governado por alguém que acredita que pagar o que já é devido é um “marco histórico” — digno de um mergulho triunfal.
Odorico, onde quer que esteja, deve estar batendo palmas. Ou gargalhando. Talvez os dois.
Ivandro Oliveira





